domingo, 4 de setembro de 2011

Poema A BALEIA DO SUL

Fonte: Google Imagens.

Numa noite dessas, orbitava nos meus ternos sonhos uma FRANCA AUSTRAL
Belo specimen, eloquente, forma além do real, DEUSA ARCANA
Havia dentro de si, certamente, um mago das flautas e teclados
Um virtuose, igualmente surrealista, e seus inúmeros sintetizadores
Belíssimo recital, de paz, chamada e aproximação
Canção do medo, presságios, temor do que pode
estar por vir: a última sessão de música
Sensória e divinal, sua gigantesca cauda se erguia imponentemente linda
das águas auriazuladas, como um monumento firme e natural
Vinham as vagas, batiam e subiam, na tentativa de banhar seus cumes
Eu me encontrava dentro do raio de ação da sua sombra,
o que me proporcionava frescor e carinho
Tinha-me, ELA, por companheiro seu, um farol reluzente,
um marco preciso de reciprocidade e da segurança permanente
Prodigioso nécton... Em torno de mim, ELA saltava, serena mergulhava
às profundezas daquele pacífico oceano, colhia bocados da vida bentônica,
à superfície retornava, coletava o plâncton, respirava, e repetia... repetia
Circunscrevendo, desse jeito manso e altruísta,
uma trajetória de inviolável proteção.

Subitamente, abre-se uma fenda diante de nós
Do outro lado havia um pesadelo, e para lá fomos jogados.

Acontecia, agora, algo similar ao que ocorre com a vida na Amazônia,
quando lançada ao desespero, à agonia abissal,
pelos bramidos gélidos e sibilantes da sedenta motoserra
do homem mau faminto,
e pelos chacais de fogo, e seus rutilantes dentes escarlates chamejantes,
que surgem aos milhões, e se alastram, deslizando céleres sobre o solo,
traçando mapas de devastação.

... ELA começou a se distanciar de mim
Na direção errada, no sentido contrário... cada vez mais distante
Tentei nadar ao seu encontro, ir buscá-la, mas o meu corpo,
paralisado, não obedecia à minha aflição
Gritaaaaarrr!!!... Talvez!... Nãaaaaooo!!!....... sem reação
Os meus sons... minha voz sumira. Então pensei, simplesmente:
“Não vá, BALEIA AZUL, não vá
Não desapareça na lugubridade desse horizonte perdido
Fique aqui, comigo, no mar da Patagônia
Não rume para Metrópolis, para os mares de óleo, aos encalhes
Não seja mais um alvo vivo defronte à linha de tiro
do arpão do canhão do Japão
Volta, BALEIA MERIDIONAL, volta
E desfecha tua odisséia em algum tempo incerto... naufragado
no perau do futuro
Numa ilha misteriosa, cemitério das baleias
Morrer de velha, sob o sol, sobre os ossos dos teus felizardos
e gloriosos pais.
Não feito o macróbio jequitibá, colosso rei da floresta milenar,
com seu fuste a sustentar o céu, mas que, desfeito,
sangrou até tombar sobre os anéis seculares,
galhos retorcidos em desespero e cinzas da mais virtuosa casta.
Não morra, BALEIA DO SUL, não morra... assim”.

O metal fere
E o sangue... é violentado
Cai dos corpos feito cascata rubra
Num extremo contraste com o passado
Aqui... ou ali, não sei ao certo,
jaz a transparência viva das cachoeiras.

(Fábio Torres).

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