sábado, 24 de setembro de 2011

Poema IGREJA DO CARMO DE OLINDA

Detalhe da Igreja de Santo Antônio do Antigo Convento de
Nossa Senhora do Carmo, Olinda (PE) / Foto: Fábio Torres.

Junto ao mar
dos mais lindos verdes e azuis
Perto do mar,
o mais belo de se olhar
No alto da colina,
colina que é só dela
A igreja revelha
Igreja que revela
coisas que não sei, bem, contar.
Em Olinda vi a cruz
Do alto, da sineira dessa igreja
que se revela, que se faz restaurar
Onde, num sonho, casava-me
com a mulher que desejo
Mas ela, por saber que é tão bela,
tão amada, tortura-me,
fazendo-me tanto esperar.
Como esperou a igreja
Pra se fazer revelar
Pra se fazer restaurar
Igreja do calcário e arenito
Hoje ainda escura,
mas viva, quase iluminada
Igreja de Santo Antônio
do demolido convento
de Nossa Senhora do Carmo
O primeiro
Erguido nos primeiros
tempos urbanos
Dos jardins do Monte Carmelo
à colina da Villa de Olinda,
a primeira morada
dos frades carmelitanos.
Do alto, da torre, por baixo do sino,
vi a cidade dos outros lugares,
das outras colinas,
das muitas esquinas
A cidade dos quatro cantos
Das íngremes, tortas e retortas
ladeiras de pedra
Dos medievos recantos
Do muxarabi
Do farol, não no fim do mundo,
bem perto daqui
Dos casarios ancestrais
Do Horto Del Rey
Dos coqueiros,
belas árvores sombreiras
e verdejantes quintais
Do homem da meia-noite,
da mulher do dia,
do menino da tarde,
do artista que sorria
Vi o observatório astronômico
Vi o cometa Olinda
Vi a cidade do sol
A cidade do céu
O céu que mergulha no mar
Vi a cidade de tantas outras igrejas
Do Monte, da Sé
Do Rosário, do Amparo
Da Boa Hora, do Bonfim
Do Desterro, da Conceição
Da Graça, dos Milagres...
Misericórdia, minha amada
Toma esta rosa, esta flor roubada.
Quem se faz esperar,
se faz desejar
Junto ao mar,
o mar que é dela
No alto da colina,
a colina só pra mim,
só pra ela.

(Fábio Torres, agosto de 2011).

Vista de Olinda (PE) por baixo do sino da Igreja de Santo Antônio do Antigo
Convento de Nossa Senhora do Carmo / Foto: Fábio Torres.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Poema RIO BEBERIBE

O rio Beberibe hoje / Foto: Fábio Torres.
Nos anos de 1940
Entre o Recife e Olinda
Do capinzal ao manguezal
Da nascente à foz
O rio das nossas avós
O rio da minha mãe menina
Da minha mãe tão moça
Da minha mãe tão linda
Das duas cidades belas.
Rio fértil
Rio sinuoso
Rio mulher
Rio das marias
Rio das brisas
Rio das campinas
Dos matagais
Dos varais de roupa
Das lavadeiras
Das cantadeiras
Do gado no pasto
Das garças vaqueiras.
Rio estreito
Rio largo
Da ponte de madeira
Dos barcos a remo
Travessias a nado
Rio das brincadeiras.
Rio moço
Rio velho
Rio manso
Sem corredeiras
Rio das hortas
De inhame e macaxeira.
Rio do barro
Das olarias
Rio das patas chocas
Das galinhas e galos
Das cantorias
Rio das cabras
Das panelas
Dos ovos
Do leite
Rio das vacas
Das vacarias.
Rio das chuvas
Das águas cheias
Das águas rolantes
Das águas turvas
Da boca grande
Rio do estio.
Rio dos índios
Rio dos peixinhos
Do sítio novo
Da aguazinha
Das manhãs e das tardes
Rio dos bandos de pássaros
Rio dos passarinhos.
Rio das cores e sons
Rio das jandaias barulhentas
Dos papagaios faladores
Das corujas agourentas
Rio dos papa-capins
Dos canários-da-terra
Anuns e socós
Sabiás e rolinhas
Gaviões e bem-te-vis
Viuvinhas e beija-flores
Curiós e andorinhas.
Rio dos guaiamuns
Escondidos nas tocas
Explorando as margens
Parados ao sol
Brilhando à luz
Rio das paragens
De todos os bichos
Dos bichos azuis.
Rio do tempo
Tempo dos trens
Das maxambombas
Tempo de comida farta
De comida boa
Em que o rato
mamava na gata
E a gente sorria a toa.
Rio dos cajueiros
Rio dos pés de manga
Dos pés de coco
Pés de cana
Pés de banana
Pés descalços
Pés na grama
Pés na água
Rio onde fazia gosto
meter os pés na lama.
Rio da noite escura
Dos sapos
Dos grilos
Das cobras
Rio dos perigos
Das aventuras
Das descobertas
Dos segredos
Rio dos namorados
No êxtase
a se embolar
Aos beijos e abraços
No meio do mato
Rio dos corpos suados
Rio dos corpos feridos
Rio dos corpos molhados.
Oh, esse rio
Volta pra mim
Volta pra mainha
Mata a saudade dela
E a curiosidade minha.
Rio de dezembro
Rio do verão
Rio noturno
Sob a estrela d’alva
Sob as três marias
Sob a lua nova
De águas claras
De águas mornas
De águas frias
Vem de novo banhar
As meninas de trança
As mamães de anagua
As vovós com vergonha
E os bebês de fralda
nos braços das madrinhas.
Volta no natal
Volta na lua cheia
Cheio de vida
De água de beber
De água limpinha
De camarões e raias
De tartarugas e plantinhas
Com teu leito cheio
De pedras roladas
De areias lavadas
De areias branquinhas.
Cheio de histórias
A história tua
As estórias minhas
Do Recife assombrado
Dos caminhos pra Olinda
Dos carnavais do passado.
Oh, rio das infâncias
Rio amigo
Rio das amizades
Rio das crianças
Das pipas no céu
Dos meninos felizes
Correndo no chão
Sonhando voar
Sonhando numa
casa na árvore morar
Rio dos meninos sem medo
Rio da felicidade que viria
Rio das favelas
que ainda não havia.
Volta a ser fundo, rio
A ser raso
A ser belo
A ser límpido
Transparente
Volta, rio de outrora
De antigamente
Que aqui jaz
Rio fantasma
Hoje rio tão feio
Rio tão sujo
Rio tão podre
Rio esgoto
Rio lixo
Rio crosta
Rio fétido
Rio fábrica
Rio cemitério
Rio morto
Rio homem.
Ontem rio de tudo,
rio de todos,
rio Beberibe
Hoje não mais.

E minha mainha...
... tão bela, tão tristinha.

(Fábio Torres).

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Poema O CAVALEIRO DA ORDEM DE SÃO JOÃO DE JERUSALÉM

Fonte: Google Imagens.

Ao fim da noite negra
No esmaecer da lua balsâmica
Como diamantes, safiras e rubis
de um cintilar divino espectral,
as luzes palpitantes do céu âmbar
dançam livres e feéricas
em movimentos cruzados,
irrequietos, descompassados;
em formas orgânicas e longilíneas,
que se estendem impetuosas
por todo o trigal verde e dourado,
balouçado e acalentado
pelo vento mudo e sereno
da augusta manhã.
Ao acordar remansoso do dia
No primeiro suspiro da aurora
Vagarosamente o clarão da guerra
invade a fortaleza de pedra
Com força avassaladora,
como a pérola que cresce e desperta
quebrando a rigidez da ostra
E na recâmara fragrante e azulada,
sobre os lençóis finos e revolvidos,
das taças viradas ainda pingam
gotas frias de hidromel,
e lágrimas dos olhos vermelhos
Das bocas cálidas e molhadas,
entre sussurros e beijos,
os mais sôfregos e derradeiros,
saem balbucios de amor e carinho,
os mais belos e verdadeiros.
Na muralha que salvaguarda
a cidade santa,
abre-se o gigantesco portal
Sob o arco monumental,
sobre um Shire preto de crina ereta,
surge o cavaleiro hospitalário,
vestindo a pesada e reluzente armadura,
empunhando a lança, erguendo o escudo
Embainhado e preso ao dorso
do fiel e manso animal,
o enorme montante levemente oscila,
com o trotar do brioso cavalo
que se desloca ricamente indumentado
O elmo, já de viseira baixa,
oculta o rosto anguloso do homem
por todos amado,
que avança devastado, em silêncio lacrimal
pelo chão de basalto e bruto ônix,
distanciando-se da sua idolatrada,
nela deixando a solidão,
o desterro na alma e no coração
E quando as ferraduras tocam
a planície empoeirada,
as fileiras o reverenciam abrindo o caminho
para que ele se posicione à frente do exército,
das armas, dos tambores e estandartes,
ao lado da cruz
Até alcançar o mar morto
e os feridos e enfermos a resgatar,
há montanhas e desertos a atravessar,
sede, fome e frio a sofrer
e hidras de trinta mil cabeças,
saídas das covas e fragas,
a combater.

... “Combati o bom combate,
terminei a corrida,
guardei a fé” – 2 Timóteo 4:7.

(Fábio Torres).

sábado, 17 de setembro de 2011

O QUE É POESIA?

Poesia?... Ser poeta?... Não há definições. Não precisa haver. Não é necessário o esforço de definir. Nossas veias simplesmente pulsam. Nossos olhos brilham e marejam de tanto amor, de tanto sangue a encher o coração. E no crepúsculo, no arrebol, o Sol se deita, eternamente enamorado; às vezes, não raras, sedento e esfomeado... sempre na tentativa, inglória, de, ao menos, lamber o rasto luminescente da arcana deusa... a Lua.

(Fábio Torres).

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

MERLIN

Fonte: Google Imagens.

Uma estranha lenda sobre Merlin, O Mágico, diz que ele “viveu para trás”, ou seja, “nasceu” no futuro, sobre o qual tudo sabia, pois já tinha vivido o que todos ainda iriam viver. E para saber acerca do passado, Merlin perguntava aos mortais comuns, ou simplesmente lia, os livros, os pergaminhos, as escrituras rupestres. Até que um dia... morreu bem menino, logo depois de olhar para aqueles que sucumbiam decrépitos. Será que F. Scott Fitzgerald, de alguma forma, se inspirou nessa história sobre o Mago – a de “viver para trás” – quando escreveu, em 1922, O Curioso Caso de Benjamin Button, um dos Contos da Era do Jazz?
 
(Fábio Torres).

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poema "POLÍTICOS"

Fonte: Google Imagens.
Imunizada pelo mais sigiloso omertà,
a víbora vampira alivia sua peçonha
vazando-me a jugular.

O habitat natural do tipo animal
é uma desmesurada fortaleza,
subterrânea ou nos píncaros
das mais íngremes e lodosas montanhas
Toda cravejada com os mais preciosos pedras e metais
Repleta de palácios, salões de festas, capelas
e câmaras de tortura.

As “mambas negras” se arrastam ao covil das baratas
Ferindo as árvores para não se perderem
Chegam e se misturam à repugnância
Dançam com os mosquitos
Comem com as moscas
Bebem com as larvas
Dormem com as ratazanas
Até se infestam de pulgas, carrapatos e percevejos.
E deixando as juras concretadas naquelas
pobres almas fétidas,
retornam aos seus mundos
numa fáeton dourada
De pele nova
Pois na imundície abandonaram suas antigas
cascas... carapaças
Impregnadas e infectadas
Assim como as aranhas e escorpiões.

Um país é do povo
Não de reis materialistas
Nem das medalhas de generalíssimos
E muito menos de brasões da demagogia...
... hipocrisia... opressão.

(Fábio Torres).

Fonte: Google Imagens.

Poema MÃE CUBANA (Perder um filho...)

Fonte: Google Imagens.
Sonhada cidade noturna
Noturnas paisagens sonhadas
Sonhadas paisagens de Cuba.

As sombras da praia
Enfeitiçadas pela canção
da brisa terrestre
Dançam sob a lua cheia
Espojam-se na areia clareada
Explosivo quebraço das ondas
nas pedras da barra
Que detona espumas
Exalando o cheiro de mar.
Embarcações descansam inquietas...
... águas do cais
Velhos pesqueiros atracados na noite
Esperando a hora de partir.
E inicia-se o espetáculo de sempre:
a ladainha dos cães assustados
e dos galos seresteiros
Há quem esteja acordado?

Mãe desperta
O lamento de mulher irmana-se
ao gemido do canavial
Um pensamento viaja
Em busca do filho que não tem...
... mais
Foi doença?
Foi naufrágio?
Foi um tiro de fuzil.
Vento não falta às velas do tempo
Madrugada morre ao sol
Teu corpo velho e cansado
suporta mais um dia?
Há muito Ela deixou de morder a vida
Hoje só agoniza, sozinha numa casa
sem luz
Lá fora, súplicas à consolação
dessa mulher
Vozes amigas clamando que
a alma revolucionária do homem
que dela nasceu, no meio da selva,
entre avanços e fugas e sob fogo
cerrado, faz-lhe companhia.

Como o crepitar das metralhadoras,
ou o estalido da lenha que arde,
os restos de uma velha senhora
lancinam-se em única oração:
– Mas falta corpo!
Abraçar seu corpo
Afagar seu cabelo
Beijar seus olhos latinos.

Ele morreu encostado a um
monumento fascista
Diante de um pelotão de
fantoches armados de um ditador
Sem último pedido
Guerrilheiro lutando por
“ terra, trabalho e ‘liberdade’ ”
Escarrando de frente
no inimigo comum
Amando seu país.

Olha... o teu corpo velho e cansado
não suporta mais um dia
É que vento não falta às
velas do tempo.

Foi a bala de um fuzil,
mas...

... “Sueños de paisajes cubanos”.

(Fábio Torres).