sábado, 31 de dezembro de 2011

Poema ARIADNE

Ariadne em Naxos; pintura de John Vanderlyn,
1820 / Fonte: Gloogle Imagens.

Noites serenas
Lágrimas de sangue
Pegadas pequenas.

Bela mulher
Tamanha entrega
Ingrato affair!

Vaga o amor traído
a buscar, combalido,
noites serenas
Do fio ainda gotejam, frias,
lágrimas de sangue
Na areia jazem, solitárias,
pegadas pequenas.

Cego no deserto
o coração sangrio da grande
bela mulher
O prêmio fel por tão fiel e
tamanha entrega
Oh! Cruel, indigno e
ingrato affair!

Cores inusitadas
Labirinto de sombras
Personagens eternizadas.

Flor delis
Amante imortal
Corona borealis.

Divina vida inconstante,
a tomar, como um mutante, formas e
cores inusitadas
Como ave das tormentas, eleva-se a diva do
labirinto de sombras
Renascendo – o trivial às míticas
personagens eternizadas.

Aliviada do mais pesado dos pesos,
torna-se a preferida, a mais sagrada
flor delis
Voando da mais solitária solidão até o Leve, ao calor do
amante imortal
E cravejada de estrelas, pisca no céu
corona borealis.

(Fábio Torres).

Ariadne e Dionísio, por Agostino Carracci,
séc. XVI / Fonte: Google Imagens. 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Poema OOOH, PATRÍCIA!


BBW Art / Fonte: Google Imagens.

Não tens os atributos que me farão lembrar de ti, Rosamunda
Por isto logo esquecerei tuas macérrimas ancas, azeda delícia
Canto loas de fome a minha eterna e libidinosa deusa Patrícia
Huum... jeito rude, vasta juba doirada, enorme e bela bunda!

Paraíso! Apesar de gigantesco... firme, de balançar cadenciado
Sob o blue jeans apertado, a tão clara, fragrante e sedosa tez
E nua, com a voz grave ela me chama; sou feliz mais uma vez
De siqueira nada tem, sabe mui bem o que me deixa aloucado.

Beldade! Ata-me, linda malvada rainha de malicioso olhar azul
Olhos famintos, reluz a vulva loira de veludo, atolo-me no paul
Aos jorros, jogos de prazer, júbilo e amor: leite farto na fonte.

Fêmea de imensas coxas e largos quadris a rebolar sobre mim
Sufoca-me, amada, se desejas. Contudo, não chegues ao fim!
Oooh, albina vênus hotentote! Beijo-te a fio, dos pés à fronte.

(Fábio Torres).

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Poema AS FORMAS DO VENTO

Fonte: Google Imagens.
Dia fausto... O vento e eu
Eu vejo o vento
Que, ao tempo em que bate
mavioso no meu rosto largo,
junto com os afagos de
Bastet, deusa solar,
e o borrifar da malina,
me amansa, me distrai,
com as formas orgânicas,
mirabolantes, miraculosas,
que toma no azul... no ar
Me faz brincar, gargalhar,
como um palhaço sem nome,
como uma criança sem fome.
Agora é um escorpião
sem veneno, com sua tenaz
a me elevar docemente ao céu
Há pouco era um tubarão
sem dentes, a me engolir
e me regurgitar.
Mas também fui embalado
por braços de mãe
Admoestado pela voz de um pai
E beijado... devorado
pela boca imensa de Aline,
cariciado por suas mãos
pequenas e perfumadas,
riscado suavemente pelas unhas
pintadas com esmalte vermelho.
Deslizando, a serpente me levou
do sopé ao topo da montanha
E de lá, um albatroz errante
me fez alado... imperador do azul,
a planar, a sonhar em meu voo solo,
a viajar acima dos mares, do gelo,
nuvens, cidades, florestas e vales.
Para mim o vento baila, canta,
rodopia, assobia, abaixa, levanta,
chocalha os sistros,
num hilário teatro de marionetes,
onde os alísios personagens
têm a cara de tudo que amo.
... Primeiro morrem de tanto rir
E por fim, desaparecem, sugados
pelo vácuo da frígida calmaria
Lágrimas secas caem dos olhos:
areia erigindo dunas no deserto,
fúnebre sinfonia de formas
Agora são flores murchas na aridez,
inconsoláveis, chorando...
... sem querer partir.
Dia infausto... O vento e eu
Eu não vejo o vento.

(Fábio Torres).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Poema NONSENSE (NONSENSE?)

Walt Whitman / Fonte: Google Imagens.

Sem sentido... meu dia hoje, minha vida hoje
Talvez somente deduções patafísicas
ousariam explicar esta existência absurda agora;
meus atos, obsessões e gestos esdrúxulos ultimamente.

Até que, às vezes, tento ser discreto e silencioso,
como um minúsculo caramujo, mas, mas, mas...
Ontem, por exemplo, logo após o raiar de mais um dia
frio e gris, assim que as portas da cidade se abriram,
fui à rue des Lévis, comprar amêndoas e um pato fresco
para o jantar com visitas vindas de Reims
(passei o resto da manhã e a tarde cozinhando)
Lá chegando, de pronto viro alvo de inúmeras flechas
Ácido pensei: “por que todos me olham de tal modo,
estupefatos, como se eu fosse um ignóbil, ojerizante,
a encarnação do que há de mais grotesco na Terra
ou um dromedário pintado de cores psicodélicas?”
“Ah!... É isto!” – percebi, de novo retrucando, calado
Eu estava de bicicleta (que comprei e não paguei)...
... e nu, somente de gravata borboleta,
óculos redondos de aros pretos e mocassins
(indígenas legítimos, feitos com casca de árvore,
vindos de New Jersey, presente de Walt para mim)
Então ri... irônico, mordaz, continuando mes affaires,
mesmo sentindo o corpo congelar entre frutas e especiarias,
e enquanto a ave, gorda, era morta e depenada.
1892: sou uma vil novidade, um revés surreal,
um paradoxo gigante, um anjo caído nessa sociedade
hipócrita, preconceituosa, ufana, engatinhante.

Novamente estou em luta armada contra meu arquinimigo eu
Está difícil viver a vida orgânica que projetei para mim
... O trauma de não poder criar um novo Círculo Lunar
Maldita iluminação pública! Reunir-se nas noites
de lua cheia não faria mais sentido
Se eu tivesse vivido por volta de 1770,
teriam Erasmus Darwin e os outros brilhantes intelectuais
aceitado este anarquista na Sociedade?
... Não tenho lido mais as histórias de Mary,
nem a poesia de Byron ou os contos sobrenaturais de Poe
Não tenho ido mais às leituras e viagens em volta da fogueira
Há anos tento preparar Uma Festa para Agatha,
mas não consigo reunir os convidados ilustres
nem encontrar, em toda a Europa, chefs que materializem
o banquete insólito e nababesco que imaginei
Num rompante de fúria, quebrei minha dulciana do século XVI
Estou desenhando minha lápide; cansei de pedir a Van De Velde
Na madrugada, ao sair do Lilith Rendez-Vous, pelas vielas de Paris
sou atormentado, perseguido por uma sombra quasímoda
Minha compleição física (sou atarracado e manco) tem assustado
as crianças e até os vira-latas dos submundos de Montépin
Importei da Alemanha alguns fantascópios;
vou inaugurar em Montmartre uma casa de fantasmagorias
Semanalmente escrevo cartas a Whitman, enviando-as ao
Condado de Camden... sem obter uma resposta sequer
Meu amigo deve estar muito ocupado, sem tempo para mim,
decerto construindo elefantes para guerrear
contra os inimigos da liberdade e do amor livre.

Acho que não... Já faz algum tempo que fracassam
minhas buscas telepáticas; e agora esta carta da América...
Remetente desconhecido... ninguém mais conheço do outro lado
do Atlântico. Tomo coragem... abro... decifro o que diz o manuscrito,
um poema cujo acróstico dolorosamente noticia:
“Walter ‘Walt’ Whitman partiu em 26 de março”.

... Cortado pela tristeza funda, pela saudade infinda, pelo desamparo
e o vazio invernal de um órfão, que age como uma faca a penetrar
lentamente o estômago... debilitado murmuro uma frase apenas...
... a última: “O poeta louco morreu jovem, aos 73, e viveu como quis”.

(Fábio Torres).

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Poema MILTON NASCIMENTO


Fonte: Google Imagens. 

Novamente sinto tua voz! Cante e me imunize!
Quantas vezes salvaste-me os mundos... a vida
Quando a dor fazia-me lua vaga, vã e esmaecida
Canta! Para que meu coração, ferido, cicatrize.

Amar-te é minha fortuna: és o antídoto... a cura
Música balsâmica a me alçar à travessia sobre o abismo
Nascimento de mil sons, sonhos e tons em sincronismo
E das montanhas aos lábios, o frescor da água pura.

Os astros flamejam na noite de uma cidade antiga
Na esquina, entre tantos, ouve-se a mais rara estrela
Bradam os violões! Soa a garganta: “amigo... amiga”.

E na manhã ensolarada, musicados os poemas renovos,
na íris dos mais belos e negros olhos serena o infinito
Olhos desenhados no rosto que é o de todos os povos.

(Fábio Torres).


Milton Nascimento / Foto: Cafi.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Poema RUA DA MEIGUICE

(Este poema germinou como se fosse crescer
como um soneto; todavia, acabou infringindo todos os limites
toleráveis por Dante Alighieri e Francesco Petrarca,
transmutando-se em mais um louco, orgânico e insólito
poema do século 21)

Rua com Árvores, óleo sobre tela, pintado por Billy /
Fonte: Blog Os Quadros do Billy.

Na cidade atroz há uma rua
Uma rua onde nada se reflete
na cidade atroz
A cidade é morada de ogros
e governada por um algoz
À rua vivem plantadores de árvores,
amantes do sol, do vento, da lua...

À rua todos cuidam das suas casas,
dos jardins, dos bichos,
dos velhos, das crianças
A cidade e o vazio atrás dos olhos...
... a dor é seu peristilo
Uma rua na cidade:
a flor na boca aberta do crocodilo?
Na cidade cinérea não há amor ou lembranças.

Chamam-na de Rua da Meiguice
A perdurar ante a vileza
da cidade úmida, infesta
Dentro de uma abóbada de berço
translúcida, um campo de força sobrenatural,
a protegê-la da cidade fétida e morbígena,
dos necro-ares da imundice.

Num ardor suicida, atiram-se os vampiros
contra a aura cristalina que salvaguarda
a rua meiga e olorente
Em sedenta e louca tentativa de corrompê-la
e impregná-la de venenos mortais
Porém, o escudo mágico apenas atroa
Outra vez impedindo-os de esfacelar o mistério
da cândida rua, de torná-la mais um tentáculo
da cidade monstruosa e doente.

(Fábio Torres).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Poema O BÁRBARO


Fonte: Google Imagens.

Governei os trirremes,
do Mediterrâneo à Ilha de Páscoa
Tentei arrancar do ahu Te Pito Kura
o Moai Paro, o mais elevado dos moais
nascidos da rocha do Rano Raraku
... Para dar a Ela, só pra vê-la sorrir
Mas quando já tocávamos seu pukao...
... meus guerreiros, todos, foram mortos,
e eu capturado e levado,
pelos espíritos, em fúria, dos Rapanui.

Comandei a caravana de mil camelos,
mil arqueiros e mil cimitarras a Tassili n’Ajjer
Tentei roubar a memória dos ritos tribais,
a paz e as guerras, inscrita à sombra,
com sangue, saliva e argila
nas paredes e tetos paleolíticos
... Para dar a Ela, só pra vê-la sorrir
Mas quando já atingíamos as murtas,
oliveiras e ciprestes tarout...
... meus guerreiros, todos, foram dizimados,
e eu ferido e levado,
pelas divindades do fogo.

Na última tentativa fui muito mais além
Lancei-me a mim mesmo
Explorando o Sahara de 7000 anos atrás
Encontrando em suas regiões mais profundas
o mais raro tesouro
Sentidos, sentimentos, os mais preciosos
Busquei o poema escondido na arca
dentro de uma entre milhões de conchas
no fundo do oceano que jaz sob o deserto,
entregando-o a Ela
Foi quando, enfim, consegui
vê-la sorrir... vê-la chorar.

O bárbaro de mais nada precisou
para consumar sua incursão.

(Fábio Torres).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poema A CRUZ DO PATRÃO

Cruz do Patrão, Bairro do Recife, Recife (PE) / Fonte: Google Imagens.

A tarde em seu começo triunfal...
Adolescência do dia natural
Destemida e ingênua companheira do sol,
da vívida e impetuosa luz
que invade e escancara, de lés a lés,
os recantos, planos e reentrâncias do mundo,
e da qual nada se esconde
Nada que não se esconda ou se prolifere
no fundo e úmido breu dos jazigos.

A tarde em seu fim penumbral...
Apogeu do dia natural
Viciada pariceira do sol declinante,
da vivida e esmaecida luz que esfria
Prostituída, deixa-se invadir e padecer
pelas garras e venenos da umbria
Da escuridão a tarde foge,
corrompida, exaurida, aterrorizada
A venda negra encobre a face da lua
As suindaras rasgam a carne crua
E a noite se instala:
Hécate levantada do esquife, a voar,
a vagar sedenta com sua matilha
de cães fantasmas, famintos,
entre a cidade e o estouro das vagas
nos rochedos lisos do recife
Ela é (sempre foi) a cúmplice
do revelho monumento dórico...
... do sinistro marco.

Base, fuste, cruz, pedra, sangue
Morte, tempo, lodo, noite, medo
Do longe, dos navios, da zona, dos sobrados,
ouve-se sons semelhantes à dor
da angústia, das pernícies, do desespero:
lamúrias, uivos, murmúrios, chamados...
Seria, simplesmente, o vento rasante
inquietando o capim verde balouçante?
Seriam as putas, sozinhas chorando,
nos quartos imundos e fétidos?
Ou, de fato, são as súplicas dos fuzilados,
a agonia dos assassinados
e o lamento dos homens escravizados,
dos pagãos mal-enterrados?

Morreste como, marinheiro?
O que viste ao redor ou a surgir
da maldita cruz, ô remador?
O que te matou, Cyriaco Catanho?
Triste fim, caso estranho
Morrer por que? Se na madrugada
apenas buscavas o alívio,
tomavas teu refrescante banho.

Foram-se o istmo, a aldeia,
a praia bela, o patrão-mor,
os bruxos de Angola, os pobres infelizes...
Espalharam-se os aterros, estradas e lixo
Ergueram-se os prismas, as torres, os caixões
de aço, vidro, dinheiro e concreto
Mas... a Coluna... portentosa e marcial,
escarnece do tempo, mantendo-se a prumo,
plantada no sepulcro assombrado,
protegida pelo esquecimento, pelas crenças,
pelo fogaréu dos olhos de Exu, pelos feitiços
à longevidade (à eternidade?) da Cruz.

(Fábio Torres).

Cruz do Patrão, Bairro do Recife,
Recife (PE) / Fonte: Google Imagens.