quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poema A CRUZ DO PATRÃO

Cruz do Patrão, Bairro do Recife, Recife (PE) / Fonte: Google Imagens.

A tarde em seu começo triunfal...
Adolescência do dia natural
Destemida e ingênua companheira do sol,
da vívida e impetuosa luz
que invade e escancara, de lés a lés,
os recantos, planos e reentrâncias do mundo,
e da qual nada se esconde
Nada que não se esconda ou se prolifere
no fundo e úmido breu dos jazigos.

A tarde em seu fim penumbral...
Apogeu do dia natural
Viciada pariceira do sol declinante,
da vivida e esmaecida luz que esfria
Prostituída, deixa-se invadir e padecer
pelas garras e venenos da umbria
Da escuridão a tarde foge,
corrompida, exaurida, aterrorizada
A venda negra encobre a face da lua
As suindaras rasgam a carne crua
E a noite se instala:
Hécate levantada do esquife, a voar,
a vagar sedenta com sua matilha
de cães fantasmas, famintos,
entre a cidade e o estouro das vagas
nos rochedos lisos do recife
Ela é (sempre foi) a cúmplice
do revelho monumento dórico...
... do sinistro marco.

Base, fuste, cruz, pedra, sangue
Morte, tempo, lodo, noite, medo
Do longe, dos navios, da zona, dos sobrados,
ouve-se sons semelhantes à dor
da angústia, das pernícies, do desespero:
lamúrias, uivos, murmúrios, chamados...
Seria, simplesmente, o vento rasante
inquietando o capim verde balouçante?
Seriam as putas, sozinhas chorando,
nos quartos imundos e fétidos?
Ou, de fato, são as súplicas dos fuzilados,
a agonia dos assassinados
e o lamento dos homens escravizados,
dos pagãos mal-enterrados?

Morreste como, marinheiro?
O que viste ao redor ou a surgir
da maldita cruz, ô remador?
O que te matou, Cyriaco Catanho?
Triste fim, caso estranho
Morrer por que? Se na madrugada
apenas buscavas o alívio,
tomavas teu refrescante banho.

Foram-se o istmo, a aldeia,
a praia bela, o patrão-mor,
os bruxos de Angola, os pobres infelizes...
Espalharam-se os aterros, estradas e lixo
Ergueram-se os prismas, as torres, os caixões
de aço, vidro, dinheiro e concreto
Mas... a Coluna... portentosa e marcial,
escarnece do tempo, mantendo-se a prumo,
plantada no sepulcro assombrado,
protegida pelo esquecimento, pelas crenças,
pelo fogaréu dos olhos de Exu, pelos feitiços
à longevidade (à eternidade?) da Cruz.

(Fábio Torres).

Cruz do Patrão, Bairro do Recife,
Recife (PE) / Fonte: Google Imagens.

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