domingo, 27 de novembro de 2011

Poema LUA DOS RINOCERONTES

Rinoceronte sob a luz da lua / Fonte: Blog Artista Sem Pena. 
Desde o princípio do mundo, do tempo
dos mais primitivos sentimentos
inscritos na pedra e sons guturais
de espanto e admiração,
até o hoje antes de mim,
acostumaram-se os seres,
humanos ou não,
cientistas ou não,
poetas ou não,
no âmago da noite,
a ouvir e falar sobre a lua
Lua da Terra
Lua velha
Lua nova
Lua crescente
Lua gibosa
Lua cheia
Lua minguante
Lua negra
Lua dos esbás
Lua dos mortos
Lua das nigromantes
Lua egípcia
Lua grega
Lua dos maias
Lua de Galileu
Lua de Verne
Lua de Armstrong
Lua de Aline
Lua de Selene
Lua de Chang’e
Lua de Chandra
Lua de Jaci
Lua das bruxas
Lua dos lobisomens
Lua dos fantasmas
Lua romântica
Lua dos enamorados
Lua dos amantes
Lua do Sol
Lua do céu
Lua do cio
Lua de mel
Lua dos solitários
Lua dos infelizes
Lua luz
Lua da deidade
Lua dos eclipses
Lua das marés
Lua do bálsamo
Lua solidária
Lua dos horizontes...
Mas nunca sobre...
... a lua dos rinocerontes.

Namíbia, África Austral, 1927
O balão de cinco cores intensas,
navegando agora à altura de 985 pés,
já adentra o norte do país,
os ares azuis ofuscantes da savana.
Partiu de uma praia em Walvis Bay
E após aterrar em Kamanjab,
seguiu viagem para o Etosha.
O plano era atravessar diagonalmente o Parque,
descer perto da fronteira com Zâmbia,
ou então com Botswana, e novamente subir
O destino derradeiro seria a Floresta Assombrada
Aterrizar no deserto de árvores moringa e,
depois de horas voando,
finalmente, em Okaukuejo, descansar
Isto tudo se as trajetórias
das correntes aéreas ajudassem.
No cesto, duas mulheres e dois homens,
ingleses de Manchester
Não estavam envolvidos num big five
Eram jovens pacifistas
a procura de aventuras e conhecimento
Das alturas, em meio ao vôo ondulante
do vento e das cotovias,
imersos no deslumbre,
aos poucos contemplavam:
o mais antigo deserto do planeta;
o mar de dunas alaranjadas;
Welwitschia mirabilis,
algumas muito extensas,
talvez com mais de 1000 anos;
o Vale da Morte;
as florestas de quiver trees;
as nascentes d’água perenes;
as montanhas Ondundozonananandana;
a imensa depressão de areia e sal,
naquele momento cheia,
por generosidade das chuvas do verão,
florida, em volta, pelas garras do diabo,
refrescante paragem de pelicanos, flamingos,
elefantes, impalas, gnus, zebras, girafas,
caracais, guepardos, leões, suricates,
sapos-touro e outros bichos que buscam
o Grande Lugar Branco;
... e aqueles pontos escuros,
cinzentos ou amarronzados,
sempre reunidos, parados ou correndo
na planície de sombras esparsas.

Bruto ser
Aspecto e hábitos
Toneladas de corpo robusto,
couraçado, coberto de espessos escudos
Pele e pêlos queratinizados,
forjando longos cornos na cara
Sujo, arquejante, mal-humorado,
dando chifradas a esmo
Olhos quase cegos, reflexos afiados
Veloz como um cavalo
Pré-histórica máquina de guerra
Ceratotherium simum simum
Poucos são tão grotescos assim
na natureza selvagem.

A aeronave dos mancunians,
feito uma bolha colorida,
mergulha no crepúsculo.
... De súbito, em segundos,
as grandes aves que sossegavam na água,
surpreendidas pela voracidade de predadores,
apavoradas, como uma nuvem, aos milhares
erguem asas ao refúgio do céu
O mesmo céu do balão
O tecido, cuidadosamente costurado,
impermeável, é desfeito em rasgos,
esvaindo-se todo o gás quente,
dispersando-se no vazio da atmosfera,
iniciando-se a queda vertiginosa, assustadora,
dos quatro tripulantes.  

No arrebol, por trás da vastidão do Namibe,
o gigantesco e rútilo disco lunar
toca... penetra o chão da África,
deitando-se no leito tórrido.  
De fato, Ela enfeitiça até os mais irascíveis.
A última cena que puderam ver os balonistas,
antes do violento impacto contra o solo,
imediatamente antes dos três óbitos,
foi a mais bela de todas já vistas:
o firmamento amarelo e escarlate,
a estrela vésper brilhando em testemunho
e a silhueta de tchiluandas,
como painas esvoaçantes,
e dos rinocerontes, imóveis
Todos juntos... no centro da Lua.

(Fábio Torres).

Fonte: Google Imagens.

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