Ergue-se o cenário expressionista
num fragmento dos anos de 1930
Onde as cores do mundo se arruinam
sem que a metrópole pressinta.
Bandos de corvos digladiam-se no ar,
disputando restos em irritante grasnado
Ancorado na atmosfera noir,
mora o terror no porto abandonado.
Extinta a perversa equipagem,
dorme ao cais a sombria belonave
Decrépito, o ascoso capitão
espera quem sua cova cave.
Só... doente, quase morto,
cansado de tanta vida devastar
Agora devastado, amarga o fim,
no leito fétido a agonizar.
Crateras profundas e vazias,
buracos negros de canhão:
o par de olhos do louco,
que acena para vultos no porão.
O traje é a mesma e suja jaqueta,
d’onde caem os últimos botões,
O velho bucaneiro – pele, pústulas e ossos,
expele as mais imundas secreções.
Ele! Secretório de histórias macabras!
Do mar à terra, as sevícias do réprobo
Decapitou e empalou entes supliciados
a súcia comandada pelo ímprobo.
Vociferando, pendulando o quepe rasgado,
regia a malta, os seres malévolos
A postos nas águas, explodiam cidades,
erradicavam inocentes povos benévolos.
Sob a ferrugem do convés esburacado,
ferramentas gastas de tanto matar
O funesto olor, o mastro gigante a cair
E os ventos parolam, no horror a pairar.
Tremulam andrajos de auriflamas,
como asas de demônio a farfalhar
Ali não há o branco, o verde ou o azul
O céu é pardo; e negras, as nuvens a planar.
E nesse mar não existem peixes,
ou gaivotas nas turvas águas a voejar
Pois do cavername saltam monstros,
à noite, prestos a tudo devorar.
Branca somente a fina epiderme do mau
Ao ver o muco, indaga um corvo: “És um tritão?”
Sem fôlego, sem mais ardis, responde,
num vaguíssimo suspiro: “Eis o capitão...”
Não sente fome, não sente sede,
nem calor, nem amor, nem frio
Quase vivo perdura, sentenciado a...
... jamais abandonar o navio.
(Fábio Torres).
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