terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Poema DEUSDEDITH

Morro do Castelo com a Igreja de São Sebastião,
outubro de 1920, Rio de Janeiro / Foto: Augusto Malta.

Rio. A caminho do Cosme Velho, encontro, melancólico, Deusdedith
Rio, então, e pergunto: “como vais... aonde vais, meu bom amigo?”
E com um quase não-sorriso, a resposta: “vou como um rio, antigo,
a verter águas caladas; eu, mestre do riso, choro a minha afro-dite”. 

Nome da arte: alegria. De todos arrancava risadas, e de tudo se ria
Assim era ele, presente divino àqueles que, sorrindo, fugiam da dor
E agora, separado do sorrir, vive morto a procurar tão amado amor
Só, nos lugares idos da cidade risonha; dia pós noite, noite pós dia. 

“Palhaço! Sorria! Onde a perdeste? Já foste à Igreja de Santa Luzia?
Por ali havia a Praia e o Morro do Castelo” – indaguei, rindo sozinho
Soam gargalhadas de Carlos Sampaio. Diz o triste e quedo moinho:
“rio não mais... Sim, à Esplanada fui! E lá a memória sequer jazia!“ 

Arrasado como o Morro, e com todos a rir da sua cara ferida e nua,
sem máscaras ou pinturas segue o bobo pelas revelhas vias do Rio,
de janeiro a dezembro, nos carnavais sorridentes, no calor, no frio...
Continuando o rio, escuro e fundo, pairado entre as sombras da lua. 

De novo sorri: “há um resto de pedra no chão... pedaço de ladeira,
a primeira rua do Rio. Estaria Ela na esquina, em pé a te esperar?”
E amargo ele ri: “Misericórdia! Naquele troço o sol me fez desmaiar!
... Musa! Canta! As estrelas rirão, e nos acharemos dessa maneira”. 

Lapa, Santa Teresa, Laranjeiras... Rio, esses cantos ainda são teus!
Onde não procurar? Praça XV, Arco do Teles... Ride! Ainda existem!
As lágrimas negras do rio que corre nos leitos extintos não desistem
E separado do sorrir... por amar vagou até a morte o palhaço deus.

(Fábio Torres).

Arrasamento do Morro do Castelo, 1922, Rio de Janeiro /
Foto: Augusto Malta. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário